IOF no STF: entenda por que empresas devem buscar a justiça seja qual for a decisão
A tensão entre o Executivo e o Legislativo sobre o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) se intensifica com a proximidade da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Alexandre de Moraes convocou, nesta terça-feira (15), a primeira audiência de conciliação entre os Poderes, mas independentemente do resultado, grandes empresas e escritórios de advocacia já se mobilizam para contestar o reajuste na Justiça.
No centro do debate está a natureza do IOF: um tributo originalmente criado com função regulatória, mas que, segundo o Congresso Nacional, estaria sendo distorcido com fins meramente arrecadatórios. O governo esperava levantar até R$ 20 bilhões com a medida, mesmo após reduzir as alíquotas após críticas do setor produtivo. A reação das empresas e do Parlamento indica que o assunto está longe de ser pacificado.
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O impasse entre Executivo e Legislativo
O aumento do IOF por decreto
Em meio à pressão fiscal, o governo federal editou um decreto para elevar as alíquotas do IOF sobre determinadas operações financeiras, incluindo uma modalidade pouco conhecida fora do meio empresarial: o “risco sacado”. Essa forma de antecipação de pagamentos entre empresas e fornecedores passaria a ser tributada, mesmo sem alteração formal na legislação vigente.
A justificativa oficial da equipe econômica foi de que a elevação das alíquotas tinha caráter regulatório, com a arrecadação sendo apenas uma consequência indireta. No entanto, ao estimar uma receita de até R$ 20 bilhões para fechar as contas do ano, a narrativa perdeu força política.
Reação do Legislativo
Diante da pressão de parlamentares e da crítica de que o Executivo estaria utilizando o IOF para fins arrecadatórios — o que fugiria de sua natureza original —, o Congresso Nacional suspendeu os efeitos do decreto por meio de um Decreto Legislativo. Para os congressistas, a medida fere a autonomia do Legislativo ao alterar, via decreto, a base de incidência de um tributo.
Em resposta, o governo recorreu ao STF, que analisa agora se houve desvio de finalidade na majoração das alíquotas.
STF promove conciliação, mas empresas já se mobilizam
Encontro entre os Poderes
O ministro Alexandre de Moraes convocou uma audiência de conciliação para buscar uma solução negociada entre Executivo e Legislativo. A reunião é vista como uma tentativa de evitar mais desgaste institucional e possíveis impactos fiscais para o governo federal.
No entanto, o clima não é de otimismo. Rui Costa, ministro-chefe da Casa Civil, declarou na véspera do encontro que o governo não está disposto a abrir mão da medida, contrariando os sinais dados por líderes do Congresso na semana anterior, quando sugeriram aceitar uma elevação moderada do IOF, desde que com viés regulatório claramente definido.
A ofensiva das empresas
Mesmo antes da decisão final do STF, escritórios de advocacia já estão sendo acionados por empresas dos mais diversos setores para ajuizar ações contra o aumento da tributação.
Segundo o tributarista Menndel Macedo, do escritório Menndel e Melo Associados, “independentemente do deslinde final, cabe medida judicial em ambos os casos”. O argumento principal é que o governo teria criado um novo fato gerador para o IOF sem respaldo legal, o que violaria o princípio da legalidade tributária.
Entenda o conceito de “risco sacado”
O que é e por que está no centro do debate
O risco sacado é uma operação financeira utilizada principalmente por grandes empresas para antecipar o pagamento a seus fornecedores. Nela, o fornecedor emite uma duplicata, e a empresa contratante, ao reconhecê-la, permite a antecipação do crédito junto a instituições financeiras, com base no compromisso de pagamento futuro da contratante.
Até então, essa prática não era considerada operação de crédito e, por isso, não havia incidência do IOF. Com o novo decreto, o governo passou a considerar o risco sacado como passível de tributação.
O problema da base legal
Para tributar novas modalidades ou alterar a definição do fato gerador de um imposto, é necessário o uso de lei ordinária (ou, em alguns casos, lei complementar), conforme o princípio da legalidade estrita do direito tributário.
Ao fazer isso por decreto, o governo, segundo especialistas, extrapolou sua competência. Isso abre margem para questionamentos judiciais, mesmo que o STF acate a legalidade do aumento em termos mais gerais.
Reação do setor privado e o risco de judicialização em massa
Grandes setores atingidos
De acordo com o tributarista Eduardo Melman Katz, do escritório Mattos Filho, a medida afeta praticamente toda a cadeia produtiva: do varejo à indústria alimentícia, química, têxtil e automobilística. A antecipação de recebíveis é prática comum e utilizada como forma de garantir fluxo de caixa e manter a cadeia de suprimentos ativa.
A elevação do IOF sobre essas operações representa um aumento relevante no custo operacional, o que, para muitas empresas, pode significar perda de competitividade.
Estratégia judicial
A expectativa dos especialistas é que, após a decisão do STF, caso o imposto volte a ser cobrado, haverá uma nova onda de ações judiciais em primeira instância. Mesmo com o recuo parcial do governo, que diminuiu a alíquota frente à pressão empresarial, os escritórios preparam argumentos com base em vícios formais do decreto.
Entre os argumentos utilizados estão:
- Violação do princípio da legalidade tributária;
- Invasão da competência legislativa do Congresso;
- Criação de novo fato gerador sem lei específica;
- Desvio de finalidade do uso do IOF.
O que acontece se o STF declarar o decreto inconstitucional?
Possibilidade de restituição
Caso o Supremo decida que o decreto que aumentou o IOF é inconstitucional, empresas que já pagaram valores maiores durante o período de vigência da norma poderão buscar na Justiça a restituição do montante pago indevidamente.
A estimativa é de que, antes da suspensão do STF, cerca de R$ 2 bilhões tenham sido arrecadados com base na medida.
Risco fiscal para o governo
Além da perda imediata de arrecadação, o governo poderá ser obrigado a devolver valores cobrados indevidamente com juros e correção monetária, ampliando o rombo fiscal — justamente o oposto do que se pretendia com o aumento da alíquota.
A avaliação no setor jurídico é que o Executivo pode tentar evitar esse cenário propondo uma redução maior da alíquota, especialmente para as operações de risco sacado, como forma de dissuadir o avanço das ações judiciais.
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