INSS recupera apenas R$ 8,7 milhões dos R$ 16,4 bilhões pagos indevidamente no BPC
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) recuperou apenas R$ 87 milhões de um total de R$ 1,64 bilhão em valores pagos indevidamente pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC), conforme revelou uma auditoria interna do próprio governo federal. A quantia representa apenas 5,3% do montante que, segundo as apurações, foi concedido de maneira irregular ao longo dos últimos anos.
Os números acendem um alerta para a eficácia dos mecanismos de controle e recuperação de recursos públicos aplicados ao BPC, um dos principais benefícios assistenciais do país. Voltado a idosos com mais de 65 anos e pessoas com deficiência de baixa renda, o benefício garante um salário mínimo mensal a quem comprovar estar em situação de vulnerabilidade social.
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Um benefício social de caráter assistencial
O BPC está previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e não exige contribuição previdenciária para ser concedido. Ele é um direito do cidadão, desde que respeitados critérios de renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo e a comprovação de deficiência ou idade superior a 65 anos.
Em 2025, o benefício atende mais de 5 milhões de pessoas, representando um dos maiores programas de transferência de renda do país fora do Bolsa Família. Apesar da importância social do BPC, a fiscalização e o controle de concessões enfrentam fragilidades que vêm sendo exploradas por fraudes e erros administrativos.
A auditoria que expôs os números
Quase R$ 2 bilhões pagos indevidamente
O levantamento realizado pelo Ministério da Previdência Social, por meio de auditoria técnica e cruzamento de dados com outros sistemas federais, apontou que o INSS efetuou o pagamento de R$ 1,64 bilhão em BPC de forma indevida. Esses pagamentos ocorreram por diferentes motivos, incluindo:
- Fraudes com documentos falsos
- Renda familiar superior ao limite permitido
- Beneficiários falecidos sem cancelamento do benefício
- Acúmulo irregular com outros benefícios
Recuperação lenta e parcial
Dos R$ 1,64 bilhão, apenas R$ 87 milhões retornaram efetivamente aos cofres públicos até julho de 2025, o que representa uma taxa de recuperação de 5,3%. Parte da dificuldade está na judicialização de processos e na falta de rastreamento eficaz de quem recebeu os valores indevidamente.
Além disso, o tempo entre a identificação do problema e a tomada de providências muitas vezes ultrapassa os prazos ideais, permitindo que os pagamentos continuem por meses — ou até anos — antes de serem suspensos.
Por que há tantos pagamentos indevidos no BPC?
Falhas cadastrais e cruzamento deficiente de dados
Grande parte dos erros ocorre pela falta de atualização no Cadastro Único (CadÚnico), banco de dados usado pelo governo para verificar a elegibilidade dos beneficiários. Muitos cidadãos têm mudanças em sua renda, composição familiar ou condição de saúde, mas não comunicam oficialmente essas alterações.
O INSS, por sua vez, tem dificuldade em identificar essas mudanças em tempo real, já que depende de dados externos para validar as informações dos beneficiários.
Morosidade no pente-fino
Embora o governo federal tenha anunciado em 2023 e 2024 operações de pente-fino nos benefícios, os processos são lentos e exigem etapas como notificação, direito à defesa, perícia e possibilidade de recurso. Em muitos casos, os pagamentos continuam durante esse processo, aumentando o prejuízo aos cofres públicos.
Consequências para o governo e para a sociedade
Perda de recursos e desvio de finalidade
Os recursos pagos indevidamente poderiam ter sido destinados a outros cidadãos realmente em situação de vulnerabilidade. Quando há falhas nos mecanismos de controle, a política pública perde credibilidade, e o impacto social do programa diminui.
Além disso, o desperdício bilionário impacta diretamente o orçamento público, pressionando outras áreas da assistência social e da Previdência.
A imagem do BPC sob risco
Embora o benefício seja essencial para milhões de brasileiros, escândalos envolvendo fraudes e má gestão podem comprometer sua reputação. A polarização política também utiliza episódios como esse para questionar a eficiência do sistema e promover discursos contrários à ampliação de programas sociais.
O que o governo está fazendo para resolver o problema
Fortalecimento da auditoria e cruzamento de dados
O Ministério da Previdência Social e a Controladoria-Geral da União (CGU) estão ampliando o uso de inteligência artificial e Big Data para cruzar informações entre CadÚnico, Receita Federal, CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais) e registros de óbito.
Com isso, espera-se que os pagamentos indevidos sejam identificados mais rapidamente e, em alguns casos, evitados antes mesmo de serem processados.
Notificações e cobrança dos valores de volta
O INSS iniciou um plano de notificações formais para tentar recuperar os valores pagos indevidamente. Os beneficiários são informados sobre a irregularidade e recebem orientações para devolução dos recursos. Em casos mais graves, o governo pode acionar judicialmente os envolvidos.
Revisões e bloqueios preventivos
Novos protocolos estão sendo adotados para revisar com mais rigor os pedidos iniciais e realizar bloqueios temporários em casos suspeitos. A concessão do BPC passou a exigir laudos e comprovações mais detalhadas.
Como o cidadão pode evitar problemas com o BPC
Atualize o CadÚnico regularmente
A principal recomendação é manter o Cadastro Único sempre atualizado. Qualquer mudança de endereço, renda, composição familiar ou condição de saúde deve ser comunicada ao CRAS mais próximo para evitar o cancelamento ou cobrança de valores recebidos indevidamente.
Guarde toda a documentação
Quem recebe o BPC deve manter guardados laudos médicos, comprovantes de renda e documentos familiares. Em caso de revisão, isso facilita a comprovação da elegibilidade.
Não acumule benefícios incompatíveis
O BPC é incompatível com aposentadorias e pensões do INSS (exceto se forem de outros membros da família). Acúmulo indevido pode levar à suspensão do benefício e cobrança judicial dos valores.
Caminhos para o futuro: o que ainda precisa ser feito
Regulamentação mais clara e tecnológica
Especialistas defendem a necessidade de uma reforma administrativa que integre todos os sistemas sociais e previdenciários em tempo real. Assim, seria possível identificar óbitos, mudanças de renda ou alterações de perfil de forma mais ágil.
Campanhas de conscientização
Boa parte dos erros não é intencional. Muitos beneficiários desconhecem que precisam atualizar seus dados ou que sua renda passou do limite. Campanhas educativas podem reduzir significativamente os pagamentos indevidos.
Novos modelos de avaliação
A perícia social e médica pode ser modernizada com uso de ferramentas digitais, entrevistas virtuais e geolocalização. Isso traria mais agilidade ao processo e reduziria custos com deslocamento e auditorias presenciais.
Conclusão
O BPC é uma política fundamental para a dignidade de milhões de brasileiros. No entanto, os dados revelados pelo INSS mostram que ainda há muito a ser feito para garantir que os recursos cheguem a quem realmente precisa. Recuperar apenas R$ 87 milhões dos R$ 1,64 bilhão pagos indevidamente não é apenas um alerta administrativo — é um sinal de que a sustentabilidade dos programas sociais depende de tecnologia, transparência e responsabilidade.
Com o avanço da digitalização dos serviços públicos e o reforço da fiscalização, é possível tornar o BPC mais eficiente, justo e seguro. Para isso, tanto o governo quanto os cidadãos precisam fazer sua parte, garantindo que esse direito continue protegendo quem mais precisa dele.