Bolsa Família: governo busca proibir apostadores; saiba os efeitos e as controvérsias
O governo federal está prestes a implementar uma medida que deve alterar drasticamente a relação de milhões de brasileiros com as plataformas de apostas esportivas. A proposta, em desenvolvimento no Ministério da Fazenda, visa proibir que beneficiários do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) realizem apostas online, em cumprimento a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
A decisão foi antecipada pelo secretário de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, Régis Dudena, que reforçou a necessidade de impedir que recursos públicos destinados à proteção social, como os repassados pelo Bolsa Família, sejam utilizados em jogos de azar.
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Transferências via Pix preocupam governo
Em 2023, o Banco Central identificou que cerca de 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família transferiram, por meio do Pix, R$ 3 bilhões em apenas um mês para plataformas de apostas. Esse dado alarmou autoridades e serviu como base para que o governo intensificasse a discussão sobre a limitação de acesso às bets por parte dos usuários do Bolsa Família.
STF determina ação para evitar uso indevido de benefícios sociais
A decisão do STF obriga o Executivo a adotar medidas que impeçam que os recursos de programas como o Bolsa Família e o BPC sejam utilizados em apostas. Isso inclui, segundo a proposta atual do Ministério da Fazenda, a proibição de que beneficiários apostem online com base no CPF — independentemente da origem do dinheiro usado.
Inicialmente, cogitou-se o bloqueio do uso direto do benefício ou dos cartões do Bolsa Família, mas a alternativa foi considerada tecnicamente inviável. A saída encontrada foi restringir o acesso de beneficiários com base em sua identificação civil.
Questões jurídicas envolvem uso do CPF de beneficiários do Bolsa Família
Especialistas afirmam que a medida do governo está amparada pela decisão do STF, o que pode minimizar questionamentos constitucionais. No entanto, a segurança jurídica dependerá da forma de implementação.
Para Filipe Senna, secretário-geral da Comissão de Direito de Jogos e Apostas da OAB/DF, seria mais adequado discutir o tema no Congresso, por meio de alterações na Lei nº 14.970, que regulamenta as apostas no Brasil. Essa lei não prevê restrições explícitas aos beneficiários do Bolsa Família, o que torna qualquer portaria mais vulnerável a contestação judicial.
Ausência de base legal explícita agrava incerteza
Segundo o advogado Fabiano Jantalia, presidente da Comissão de Direito de Jogos e Apostas da OAB/DF, atualmente não há respaldo legal direto para impedir que pessoas inscritas no Bolsa Família façam apostas. Durante a tramitação da lei das bets, houve tentativa de incluir uma emenda com essa restrição, mas o Congresso a rejeitou.
A única base para a ação, portanto, é a determinação do STF — o que, embora importante, não substitui a necessidade de uma norma clara e específica.
Privacidade de dados dos beneficiários do Bolsa Família preocupa especialistas
Para que a medida funcione, o governo precisará compartilhar dados sensíveis dos beneficiários do Bolsa Família com as operadoras de apostas. Essa transferência de informações levanta preocupações em relação à privacidade.
Apesar disso, alguns juristas argumentam que, caso haja consentimento por parte do usuário, o compartilhamento poderia ocorrer sem violação de direitos. A analogia feita é com os processos de abertura de contas bancárias, que exigem autorização para consultas a cadastros.
Fiscalização versus privacidade no caso do Bolsa Família
Felipe Crisafulli, da OAB/SP, ressalta que a fiscalização precisa ser equilibrada e que o cruzamento de dados deve ser limitado exclusivamente aos beneficiários do Bolsa Família e do BPC. Embora o risco de uso indevido exista, ele pode ser minimizado com limites legais bem definidos e salvaguardas institucionais.
Medida pode punir os próprios beneficiários do Bolsa Família
A proposta levanta também preocupações éticas e sociais. Penalizar beneficiários do Bolsa Família por utilizarem os valores recebidos em apostas pode ser contraditório, já que o objetivo da medida é justamente proteger esse grupo vulnerável.
Especialistas argumentam que a eficácia da proibição direta é duvidosa e que ela pode acabar incentivando a migração para o mercado de apostas ilegais.
Jogo responsável justifica limitação para o Bolsa Família, dizem juristas
Apesar das críticas, há um consenso de que o conceito de jogo responsável pode justificar a restrição. O Bolsa Família, como programa voltado à proteção social, exige cuidados extras para evitar que seus recursos sejam desviados para comportamentos de risco, como o jogo compulsivo.
Limitações técnicas dificultam aplicação prática
A implementação da proibição a beneficiários do Bolsa Família esbarra em desafios técnicos. Embora a teoria sugira que o CPF pode ser usado como filtro nas plataformas, na prática, a integração entre sistemas públicos e privados ainda é limitada.
Segundo Gustavo Biglia, do escritório Ambiel Advogados, seria necessário um sistema de cruzamento de dados com restrição automática no momento do cadastro em plataformas de apostas.
Possibilidades legais existentes para controlar apostas dos beneficiários do Bolsa Família
Hoje, a legislação já prevê mecanismos como o monitoramento de comportamento de apostadores e a possibilidade de autoexclusão. Essas ferramentas poderiam ser aplicadas especificamente para os beneficiários do Bolsa Família como medida de contenção.
Alternativas à proibição direta: uso proporcional da renda do Bolsa Família
Especialistas sugerem que, em vez de proibir totalmente os beneficiários do Bolsa Família de apostarem, o ideal seria limitar o valor das apostas a um percentual da renda. Isso evitaria medidas punitivas e permitiria um maior controle sobre o uso dos recursos.
Outro caminho viável seria a integração de mecanismos regulatórios, financeiros e tecnológicos para tornar a fiscalização mais eficaz sem ferir direitos fundamentais.
Risco de fraudes com uso de “laranjas” preocupa
Um dos maiores problemas técnicos da medida é o risco do uso de terceiros — os chamados “laranjas” — por parte de beneficiários do Bolsa Família que desejem continuar apostando.
Embora o sistema de validação de identidade seja obrigatório nas bets, falhas operacionais podem abrir brechas para fraudes.
Reação das operadoras de apostas e impacto no mercado
O setor de apostas, ainda em fase inicial de regulação no Brasil, deve evitar confrontos com o governo sobre o tema. As plataformas têm receio de sanções e da perda de licenças.
De acordo com Gustavo Biglia, é improvável que as empresas judicializem a questão. Caso ocorra alguma contestação, deve vir de entidades civis ou grupos de defesa dos direitos dos beneficiários do Bolsa Família.
Apesar disso, ainda não há dados precisos sobre quantos beneficiários do Bolsa Família participam ativamente de apostas, o que torna difícil mensurar o real impacto da medida.
Conclusão
A tentativa do governo de restringir o acesso dos beneficiários do Bolsa Família às apostas online coloca em evidência a tensão entre proteção social e liberdade individual. A medida, fundamentada em decisão do STF, busca conter o uso indevido de recursos públicos, mas esbarra em desafios jurídicos, técnicos e éticos.
Embora a proposta tenha apoio institucional, especialistas alertam para a necessidade de uma discussão legislativa mais ampla, que ofereça segurança jurídica e soluções equilibradas. Enquanto isso, o futuro dos beneficiários do Bolsa Família no universo das apostas segue incerto — entre a proteção necessária e o risco de exclusão excessiva.