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O Brasil pode acabar como a Venezuela na economia?

Especialistas debatem as diferenças entre os dois países e avaliam riscos de semelhanças econômicas

Volta e meia, sobretudo em períodos de eleições, surge a pergunta: “O Brasil pode acabar como a Venezuela?” ou “O Brasil vai virar uma Venezuela?”. Essa dúvida foi amplificada no último pleito, quando houve uma disputa muito acirrada ao Palácio do Planalto, marcada pela ideologia.

Apoiadores do candidato Jair Bolsonaro (PL), de direita, defenderam que o Brasil caminharia para o caos econômico, que é registrado na Venezuela, com a vitória do candidato de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Esse discurso ecoou muito nas redes sociais, levando muita gente a incorporar a narrativa. 

Para tentar esclarecer as dúvidas, o Seu Crédito Digital consultou três especialistas para responderem a essa questão, visando traçar as diferenças e semelhanças políticas e econômicas entre os dois países, buscando responder a essa questão.

Confira tudo neste artigo!

O que diferencia a economia brasileira da venezuelana?

Inicialmente, é importante diferenciar as situações dos dois países. A economia da Venezuela é voltada, sobretudo, para a exportação, principalmente com atividades de exploração e refino de petróleo.

O Brasil, por sua vez, conta com uma atividade econômica dominada, predominantemente, pelo setor terciário, ou seja de serviços, divididos em diversos subsetores, além de uma ampla e diversificada produção agropecuária em todo o território.

Conforme a professora de Economia da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), Nadja Heiderich, o que mais difere as economias é o fato de que a brasileira é bem mais diversificada e não dependente exclusivamente de uma pauta exportadora, tendo um mercado interno vigoroso. 

“Um dos maiores problemas enfrentados pela Venezuela é a dependência quase exclusiva da exportação de petróleo”, diz Nadja.

De acordo com o professor de relações institucionais e governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB), Eduardo Fayet, a Venezuela enfrenta, há mais de dez anos, uma forte e crescente crise nos âmbitos econômico, social e político, por conta da queda “dos preços dos recursos naturais, hiperinflação e racionamento de recursos”.

Embargos

Além da queda dos preços das commodities, a Venezuela está sendo impedida, no cenário internacional, de vender o seu principal produto, que é o petróleo. 

“A Venezuela, hoje, tem uma grande quantidade de petróleo, de água potável e ouro, e ela recebe sanções econômicas por parte dos Estados Unidos sob alegações de terrorismo e armamento nucelar”, conta o analista internacional Carlos Rifan, consultor de negócios internacionais da SF Service e da Escola Nacional de Formação em Relações Internacionais (ENFRI).

Conforme ele, os Estados Unidos, há um tempo, tentaram fazer uma intervenção militar na Venezuela, assim como fizeram no Iraque, na Líbia, na Síria, e no Egito, “sempre em busca do petróleo e a Venezuela não deixou isso acontecer”. 

“Com isso, os EUA fizeram uma intervenção, por meio de questões políticas e isso afetou diretamente a Venezuela, fazendo com que ela não consiga vender para o resto do mundo”, pontua Rifan e acrescenta: “A Venezuela, simplesmente, sofreu um boicote.”

Venezuela já foi potência econômica?

Antes de chegar ao ponto de ser uma economia em forte crise, a Venezuela já foi considerada um país com grande importância mundial. 

“A economia venezuelana foi mais forte que a brasileira, sobretudo entre as décadas de 30 e 70, pois era considerada uma líder mundial em exportação de petróleo, além de ser detentora, até os dias atuais, de uma das maiores reservas de petróleo do mundo, ficando atrás somente da Arábia Saudita”, destaca Fayet.

Rifan ressalta que a economia venezuelana, no início dos anos 2000, muito antes do boicote, “era muito forte e desenvolvida”, por ser um dos principais vendedores de petróleo do mundo. 

Atualmente, diz o especialista, está sem dinheiro para comprar e negociar produtos, para transacionar internacionalmente.

“Eu acho que a Venezuela não pode ser comparada com o Brasil, porque hoje ela está impedida de jogar. Vou fazer uma analogia ao futebol: é a mesma coisa que a gente colocar uma pessoa comum que trabalha com banco para competir com o Messi na Copa do Mundo, eles não vão jogar a mesma coisa”, compara Rifan.

“Venezuela Saudita”

A professora da Fecap reforça que, entre as décadas de 60 e 90, a Venezuela era conhecida como a “Venezuela Saudita”, tamanha era a riqueza gerada pela exploração do petróleo. 

“Era o país com maior renda per capita na América Latina e com taxas de inflação e desemprego equilibradas. O poder de compra dos venezuelanos era o maior da América Latina”, pontua.

Entretanto, com a ascensão do ex-presidente Hugo Chávez ao poder, entre 1999 e 2013, ocorreu um programa de estatização das empresas de petróleo e de todas as demais fábricas. 

Dessa forma, acrescenta ela, ocorreu a saída do capital privado do país, “tornando em sucata toda a capacidade produtiva”. 

Raio-X: economias Brasil e Venezuela

IndicadoresBrasilVenezuela
PIBUS$ 1,609 trilhão (2021)US$ 482,4 bilhões (2014)
Dívida ExternaR$ 250,17 bilhões (US$ 47,76 bilhões) (2022)US$ 140 bilhões (2018)
População214 milhões (2021)28,7 milhões (2021)
Comércio ExteriorEm 2020, no Brasil, as exportações atingiram US$ 209,921 bilhões e as importações US$ 158,926 bilhões.Em 2020, a Venezuela exportou US$ 16,4 milhões em mercadorias e importou US$ 10,9 bilhões.
Atividade Econômica (relativo ao PIB)Setor terciário (responsável por mais da metade do PIB e geração de 75% dos empregos)Atividades relacionadas ao Petróleo.
Elaboração Eduardo Fayet

Há chance de recuperação?

Para Fayet, a aliança com a Rússia e outros países considerados “párias internacionais” e o constante conflito com o eixo Estados Unidos-União Europeia pioram muito o cenário de desenvolvimento estratégico do país, selando um “destino incerto para a Venezuela”. 

“Devido aos abusos de poder presidencial e autoritarismo, corroendo as relações sociais, econômicas e humanas, dificilmente a Venezuela se recuperará estruturalmente nos próximos 20 ou 30 anos e terá uma posição de país forte como a do Brasil”, avalia o professor da FPMB. 

Conforme Rifan, a Venezuela sempre teve riquezas, mas para extraí-las sempre sofreu, por ser um processo caro, o que necessita de uma “austeridade política interna e tecnológica.” 

No mais, a riqueza venezuelana sempre foi baseada em suas reservas de petróleo, atreladas ao preço do barril do petróleo. Ou seja, um dinheiro artificial. “O país sempre trabalhou com simbolismo”, completa Rifan. 

“A Venezuela é o petróleo bruto que está enterrado. Você tem que pegar extrair, produzir, refinar, para aí sim ele se tornar gasolina”, acrescenta ele.

Para Nadja, o cenário atual é de desemprego em massa e de ondas inflacionárias, que assolam o país. 

“Com intervenção estatal na economia, direitos individuais e de propriedade cerceados, o país não conseguirá retomar aos tempos áureos”, conclui ela.

Afinal, o Brasil vai acabar como a Venezuela?

Diante de todo exposto, Fayet ressalta que a possibilidade de o Brasil se igualar ao país vizinho “não faz sentido”, pois são nações “com histórias, características e situação contextuais muito diferentes.”

“A Venezuela é uma ditadura militar de esquerda, a qual foi estruturada a partir de um golpe constitucional. Portanto, houve a mudança da constituição para viabilizar esse regime”, pontua Fayet. 

Na Venezuela, acrescenta Fayet, “os atuais mandatários chegaram e se mantêm no poder a partir de uma narrativa política anti-sistema, e assim justificam as suas ações em prol do povo venezuelano, afirmando que são para alcançar a liberdade desse povo”.

O analista internacional Carlos Rifan vai em linha semelhante, ressaltando que as diferenças políticas, sociais, econômicas e culturais dificultam o atingimento de um estado semelhante ao brasileiro.

Segundo Rifan, a questão da Venezuela é complexa, porque o país está impedido, no cenário internacional, de vender o seu principal produto que é o petróleo, por conta das sanções econômicas recebidas por parte dos Estados Unidos.

Veja também: Brasil pode virar Argentina?

Pilhas de moedas em ordem crescente com barris de petróleo em cima
Imagem: Maxx-Studio/shutterstock.com

“Com isso, os EUA fizeram uma intervenção, por meio de questões políticas e isso afetou diretamente a Venezuela, fazendo com que ela não consiga vender para o resto do mundo”, acrescenta.

Sinais de alerta

Para a professora da FECAP, Nadja Heiderich, é difícil afirmar que o Brasil possa se transformar na Venezuela. 

No entanto, ela faz um alerta: “Tudo vai depender de como a política econômica será conduzida e como o judiciário brasileiro irá se comportar”, diz.

Ela reforça que os primeiros sinais pelo governo eleito, de Lula, não são bons, por conta de um cenário de aumento de gastos públicos

“O descontrole fiscal, sob o argumento do aumento de políticas assistenciais, poderá derrubar a confiança no Brasil, com fuga de capitais, paralisação da entrada de investimento privado estrangeiro e investimento privado nacional”, justifica.

Além disso, Nadja aponta um possível aumento da inflação e consequente elevação das taxas de juros (para controlar a fuga de capitais e a inflação), “tornando o déficit público cada vez maior e impagável”.

Estatais

Outro ponto problemático já apontado neste início de governo Lula é com o aparelhamento de estatais com indicações políticas. 

Conforme ela, as indicações políticas podem trazer o grave problema da retomada da corrupção sistêmica, que foi observada durante a Operação Lava Jato, que resultou na redução da capacidade de investimento das empresas envolvidas e, até mesmo, problemas de solvência das mesmas.

Judiciário

No âmbito do Poder Judiciário, Nadja relembra a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes de retirar os gastos sociais, como do Bolsa Família ou Auxílio Brasil, de fora do teto de gastos.

Para ela, foi uma “clara interferência do Judiciário sobre as atribuições do Legislativo, que é quem define o orçamento”.

“Ações como essa abrem precedente para que em 2023 o Poder Executivo governe em união com o Poder Judiciário, tal qual aconteceu na Venezuela”, diz ela.

Conforme a professora, em 2017, o Tribunal Superior de Justiça (TSJ) da Venezuela assumiu o controle das atividades legislativas da Assembleia Nacional e removeu os poderes da Assembleia Nacional da Venezuela.

Veja também o nosso vídeo sobre o assunto:

Imagem: M_Videous/shutterstock.com