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O Brasil pode acabar como a Argentina na economia?

Os dois vizinhos, apesar de comparados, têm situações econômicas completamente diferentes, dizem especialistas

Brasil e Argentina são rivais no futebol, vivem uma polarização na política, mas podem trocar de papel na economia? Com as eleições por aqui, muito se falou sobre o “Brasil virar uma Argentina”, caso o candidato de esquerda vencesse a corrida ao Palácio do Planalto.

Agora, com a vitória de Lula (PT) sobre Bolsonaro (PL), será que devemos nos preocupar com isso? Faz sentido afirmar que a economia brasileira poderia retroceder ao caos vivenciado na Argentina, que conta com índices de inflação nas alturas?

Para responder a essa questão, o Seu Crédito Digital buscou três especialistas em economia internacional para esclarecer essa dúvida. Confira!

Quais as diferenças entre as economias brasileira e argentina?

Primeiramente, vamos buscar diferenciar as situações das duas nações.

O professor de relações institucionais e governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB), Eduardo Fayet, destaca que, mesmo sendo parceiros comerciais, por conta do Mercosul, a economia brasileira difere-se, em muito, da argentina.

Isso acontece pelo fato de que a Argentina enfrenta uma grave crise econômica desde o início dos anos 2000, causada por problemas estruturais acumulados ao longo dos anos.

Entre eles estão o déficit das contas públicas, os altos gastos com assistência social, a “dolarização” e a desvalorização cambial. No mais, há desconfiança por parte dos credores internacionais pelo não pagamento de dívidas externas.

“Diferentemente da brasileira, a economia argentina enfrenta problemas políticos e econômicos, com a crise de legitimidade e a falta de crescimento econômico, com uma estrutura no agronegócio voltada à produção de carnes e derivados, e uma indústria com baixa produtividade”, diz Fayet.

Dólares

Para o analista internacional Carlos Rifan, consultor da SF Service e da Escola Nacional de Formação em Relações Internacionais (ENFRI), uma das diferenças importantes entre as duas economias se encontra na relação com o dólar.

De acordo com ele, a economia brasileira conta com uma taxa de câmbio flutuante, ou seja, o Banco Central Brasileiro não fixa o valor do dólar. Assim, a relação cambial é baseada na entrada de dólares no Brasil, variando conforme a lei de oferta e demanda

“Se eu tenho muitos dólares nas reservas brasileiras, o dólar sai barato. Se eu tenho poucos dólares, eles saem caro”, compara. 

“Já na Argentina o câmbio é fixado pelo Governo. E isso faz com que surja o câmbio paralelo”, acrescenta Rifan.

Comércio

Outra diferença entre os países encontra-se no comércio. O Brasil é um dos maiores exportadores globais, com o mercado asiático – região com maior população no mundo – dependente das commodities brasileiras.

Rifan pontua que o Brasil é um dos líderes globais na exportação de soja, milho, trigo, minério de ferro e petróleo para o exterior. Por esses produtos, o país recebe em dólares. 

“Isso faz com que o Brasil venda muito mais para o exterior, exportando mais do que importando, fazendo com que a taxa de câmbio melhore”, acrescenta.

Veja também: Brasil vai virar Venezuela?

Argentina já teve uma grande economia?

Apesar de todos os problemas das últimas décadas, a Argentina já teve uma economia pujante.

Conforme a professora de Economia da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), Nadja Heiderich, na virada do século XX, a Argentina era o país com o maior PIB per capita do mundo.

“Mas, ao longo do século XX, se perdeu em meio a golpes de estado, ditaduras e calotes ao FMI, políticas econômicas desastrosas, com muita intervenção estatal e desrespeito às instituições privadas, além de gastos públicos, sem controle e altos índices de corrupção”, pontua Nadja.

Ela ressalta que, apesar de um século XX turbulento, o Brasil conseguiu criar uma base institucional mais sólida do que a da Argentina, “conseguindo alcançar uma colocação entre as dez maiores economias do mundo”.

Maior PIB do mundo

Rifan pontua que, entre 1880 e 1920, a Argentina chegou a ter o maior PIB global, chegando a receber 71% dos investimentos internacionais, dentre todos os países do mundo. 

Isso aconteceu, principalmente, por um processo de exportação de carne congelada. 

A Argentina foi pioneira no segmento de exportação de carne congelada, fazendo com que o país se tornasse muito forte.

Em um segundo momento, entre a década de 1940 a 1960/1970, a Argentina chegou a ter apenas 3% de taxa de pobreza e 4% de taxa de desemprego. 

“Foram momentos de grande desenvolvimento na Argentina, muito superiores ao Brasil”, compara Rifan. 

Baixa inflação e crescimento

Fayet relembra que, em meados de 1990, a economia argentina era considerada mais estável e forte do que a economia brasileira. Neste período, acrescenta ele, o país vizinho teve baixa inflação e crescimento de 6% ao ano. 

“Com a crise argentina, ocorrida em 2001, através do anúncio do calote de 100 bilhões de dólares, o país foi desestabilizado e afetado por consequências que duram até os dias de hoje, como as altas dívidas públicas, falta de confiança de investidores e dificuldade de empréstimos internacionais”, afirma Fayet.

Raio-X: Brasil versus Argentina

IndicadoresBrasilArgentina
PIB1,609 trilhão USD (2021)491,5 bilhões USD (2021)
Dívida ExternaR$ 250,17 bilhões (US$ 47,76 bilhões) (2022)366 bilhões USD (2022)
População214 milhões (2021)45,81 milhões (2021)
Comércio ExteriorEm 2020, no Brasil, as exportações atingiram 209,921 bilhões de dólares e as importações, 158,926 bilhões de dólares. Em 2020, a Argentina exportou 54,8 bilhões de dólares e importou 42,3 bilhões de dólares.
Atividade Econômica (relativo ao PIB)Setor terciário (responsável por mais da metade do PIB e geração de 75% dos empregos)Atividades de produção agrícola e pecuária.
Elaboração Eduardo Fayet

Afinal, o Brasil vai acabar como a Argentina?

Após todo esse contexto, vamos agora buscar responder a questão central desse artigo, que é se a economia brasileira pode se igualar à argentina, em crise e atualmente com altas taxas de inflação.

Para Carlos Rifan, essa possibilidade não faz sentido. “Não, não pode virar uma Argentina, porque o Brasil, desde 1993, mais ou menos, aplicou uma política diferente em relação ao câmbio. Por isso, como fator um, o Brasil não pode virar uma Argentina.”

O segundo fator, acrescenta Rifan, é a força do Brasil no cenário mundial, em comparação à força da Argentina. 

“O Brasil é um país continental, é protagonista internacional, um país que tem acordos internacionais, país de liderança e isso também faz com que ele não vá virar uma Argentina.” 

Avaliação semelhante tem Fayet, situando os contextos distintos. 

Para ele, na Argentina, há uma democracia muito fragilizada que, durante os últimos anos, mesmo tendo realizado alternâncias de poder entre direita e esquerda, não conseguiu avançar em resultados efetivos, do ponto de vista econômico para uma melhoria estrutural. 

Além disso, o país passa por um declínio econômico há décadas, caracterizado, entre outros aspectos, por uma profunda desconfiança da população com sua moeda, que foi desastradamente dolarizada, diferente da situação atual do Brasil. 

Argentina poderia retomar protagonismo?

Conforme Rifan, é pouco provável que o país vizinho seja mais relevante que o Brasil globalmente novamente. 

“O Brasil, hoje, tem um protagonismo muito forte internacional. Ele é líder do Brics (grupo de países com Rússia, Índia e China), está no G20, chegou quase no G8. O Brasil só precisa entrar nos eixos politicamente para continuar sendo bem-visto internacionalmente”, reforça.

Para Fayet, “observando o histórico e o cenário atual, além do crescimento populacional do Brasil, dificilmente a economia argentina voltará a ter uma força relativa maior”.

Semelhança à Argentina

Mesmo diante de todas essas diferenças, a professora da FECAP faz alertas. Ela reforça que o caminho para o Brasil virar uma Argentina pode começar a partir do descontrole das contas públicas.

“A deterioração do quadro fiscal, em última instância recai sobre os mais pobres, resultando na queda da geração de emprego e renda, além da alta da inflação, que amplia a desigualdade”, diz.

Nadja ressalta que, em um primeiro momento, todo o dinheiro despejado na economia – com aumento do Bolsa Família – pode passar despercebido, por boa parte da população, diante do aquecimento da economia.

“Este crescimento não será sustentável, como já foi vivenciado durante o governo Dilma”, diz, em referência ao governo anterior do PT, que volta agora com Lula, em 2023. 

“Esse cenário (de descontrole das contas públicas) foi observado na crise que enfrentamos em 2015, pelas ações do governo Dilma, mas que agora parece vir com mais intensidade, diante da amplitude de gastos esperada e do mundo não ser mais aquele do boom de commodities e crescimento chinês, mas de cenário pós-pandemia, desaceleração China e crises na União Europeia e EUA”, finaliza ela.

Imagem: rarrarorro/shutterstock.com