TCU revela escândalo: governo pagou R$ 4 bilhões a pessoas mortas
O Tribunal de Contas da União (TCU) revelou um dos maiores escândalos de pagamentos indevidos da última década. O órgão detectou que mais de R$ 4 bilhões foram pagos pelo governo federal a pessoas que constam como mortas nos registros civis.
A apuração, divulgada no dia 23 de julho, expôs falhas no controle de dados do Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (Sirc), que permitiram o repasse contínuo de valores mensais, mesmo diante de indícios de óbito. O caso gerou forte repercussão e exige providências imediatas por parte dos órgãos responsáveis.

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Benefícios a mortos: Como o escândalo foi descoberto pelo TCU
Relatório detalhado do TCU
O processo foi relatado pelo ministro Jorge Oliveira, responsável por coordenar uma ampla auditoria nacional nos bancos de dados governamentais. O foco foi investigar o volume de pagamentos de benefícios sociais e previdenciários destinados a pessoas já falecidas.
O TCU identificou, entre os anos de 2016 e 2025, cerca de R$ 4,4 bilhões em pagamentos realizados a indivíduos com registros de óbito ou fortes indícios de falecimento. Essa quantia inclui vencimentos, pensões, aposentadorias e benefícios como o Bolsa Família.
Volume ainda ativo de pagamentos
Mais alarmante ainda é a constatação de que, mesmo após a descoberta, aproximadamente R$ 28,5 milhões continuam sendo pagos todos os meses a pessoas que já não deveriam constar como beneficiárias.
Esse dado indica uma fragilidade sistêmica na gestão de informações vitais à administração pública, além de representar risco direto à sustentabilidade fiscal do país.
O papel do Sirc na origem do problema
Ausência de milhões de registros
A raiz do problema está no Sirc, o sistema nacional criado para consolidar informações de registro civil no Brasil. De acordo com o TCU, faltam 13,1 milhões de registros de óbito na base, número suficiente para praticamente dobrar sua atual capacidade.
Isso significa que boa parte dos brasileiros falecidos entre 2016 e 2025 não teve sua situação atualizada no sistema federal, possibilitando a manutenção indevida de pagamentos em nome dessas pessoas.
Falhas no preenchimento e envio de dados
Outro ponto crítico apontado pelo relatório é a qualidade das informações inseridas no Sirc. Mais de um terço dos registros analisados possui falhas no preenchimento, o que dificulta o cruzamento de dados com outras bases, como o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde.
Essas lacunas resultam de fatores como o envio tardio de registros por parte dos cartórios, falta de fiscalização eficaz e ausência de penalidades claras para os responsáveis por essas omissões.
Onde os recursos foram desviados
Benefícios sociais e previdenciários
A maior parte dos pagamentos indevidos está relacionada a programas como o INSS, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o extinto Bolsa Família. Muitos beneficiários falecidos continuaram a ter os valores depositados em contas que, em muitos casos, seguem sendo movimentadas.
Essas irregularidades revelam não apenas falhas técnicas, mas também possíveis esquemas de fraude, já que terceiros podem estar se apropriando indevidamente desses recursos públicos.
Folha de pagamento da Administração Pública
A auditoria também identificou que o próprio governo federal realizou, em fevereiro de 2025, o pagamento de cerca de R$ 3,6 milhões a 650 servidores públicos, aposentados ou pensionistas com registros de falecimento.
Isso escancara a ineficiência do controle interno, mesmo em áreas sensíveis como a folha de pagamento de funcionários do Estado, que deveria contar com mecanismos rigorosos de verificação.
Reações e medidas do TCU
Determinações ao INSS e cartórios
Diante da gravidade da situação, o TCU estabeleceu prazo de 90 dias para que o INSS apure as responsabilidades dos cartórios que não cumprirem com o envio dos dados dentro do prazo legal.
Além disso, o Instituto tem 30 dias para convocar os beneficiários que constam como mortos no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) a realizarem prova de vida. Caso não compareçam, terão os benefícios suspensos.
Críticas do plenário do TCU
O ministro Bruno Dantas criticou duramente o cenário revelado pela auditoria. Segundo ele, o Brasil vive um “absoluto descontrole” na gestão de informações de pessoas mortas. “Chegará um momento em que não teremos mais dinheiro para pagar os vivos”, alertou.
A crítica evidencia o risco concreto de colapso fiscal, se medidas de correção e modernização não forem adotadas com urgência.
Impactos e desdobramentos
Rombo bilionário para os cofres públicos
Os R$ 4,4 bilhões pagos indevidamente não são apenas um número simbólico. Esse valor representa o equivalente a todo o orçamento anual de ministérios importantes, como o da Cultura ou o do Meio Ambiente, comprometendo a capacidade do Estado de realizar investimentos sociais.
A continuidade do problema ameaça as metas fiscais da União e pode se tornar um fator de instabilidade política nos próximos meses.
Desconfiança da sociedade
O escândalo compromete ainda mais a confiança da população nas instituições públicas. Pagamentos a mortos, em plena era digital, revelam uma fragilidade administrativa incompatível com os recursos investidos em tecnologia e controle nos últimos anos.
A cobrança por responsabilização deve crescer nas próximas semanas, inclusive com possíveis CPIs e ações do Ministério Público Federal.
Por que o sistema ainda falha?
Falta de integração entre sistemas
Um dos principais obstáculos ao controle efetivo é a fragmentação dos bancos de dados públicos. Informações do SIM, Sirc, Receita Federal, INSS e bancos estatais ainda não dialogam de forma eficiente.
Esse cenário impede o cruzamento automático e rápido de dados, o que abriria caminho para a suspensão imediata de benefícios pagos a falecidos. Apesar de projetos em andamento, o Brasil ainda está distante de alcançar esse nível de integração.
Vácuos legais e fiscalização deficiente
A legislação vigente também apresenta lacunas. Não há uma regulamentação clara sobre punições a cartórios que atrasam ou omitem informações de óbito, e os órgãos fiscalizadores nem sempre têm estrutura para verificar a atuação desses serviços.
Além disso, muitos municípios operam sem um sistema informatizado de registro, o que torna o envio das informações lento e sujeito a falhas humanas.
O que pode mudar a partir de agora
Prova de vida mais rigorosa
A exigência de prova de vida presencial ou digital para todos os beneficiários pode ser reforçada. O INSS já tem ampliado o uso de tecnologias biométricas e reconhecimento facial, mas a medida ainda não abrange toda a população.
Especialistas recomendam o uso de aplicativos com validação em tempo real e autenticação integrada com as bases do governo para garantir maior segurança.
Inteligência artificial na prevenção
Outra saída discutida pelo governo é o uso de inteligência artificial para cruzar, de forma autônoma, informações de múltiplas bases e detectar irregularidades com mais agilidade.
A ideia é criar alertas automáticos sempre que um registro de óbito for atualizado e, ao mesmo tempo, bloquear pagamentos futuros até a verificação da identidade do beneficiário.
Reorganização do Sirc
O TCU recomendou uma reformulação completa do Sirc, com melhorias tecnológicas, maior fiscalização e definição de metas para que cartórios e estados atualizem os dados com eficiência. A proposta é transformar o Sirc em uma base única, confiável e acessível a todos os órgãos públicos.
A centralização e confiabilidade dos registros civis são consideradas essenciais para reduzir fraudes, melhorar a gestão pública e recuperar a credibilidade dos programas sociais.

O escândalo dos pagamentos a pessoas mortas expõe as falhas estruturais que ainda comprometem a gestão pública no Brasil. Mais do que um problema contábil, trata-se de um sinal claro de que o país precisa de urgente modernização em seus sistemas e práticas administrativas.
Sem medidas firmes, o desperdício de recursos pode continuar a minar a confiança da sociedade e inviabilizar investimentos em áreas prioritárias. O TCU fez seu papel ao escancarar os erros. Agora, cabe ao Executivo e ao Legislativo transformar essa auditoria em ação concreta para garantir que, no futuro, os vivos não tenham que pagar pelos mortos — literal e financeiramente.