Mais da metade das domésticas vive com salário inferior ao mínimo, revela estudo
Descubra como 64,5% das domésticas recebem abaixo do mínimo. Veja dados e ações do governo. Leia e compartilhe!
Uma pesquisa inédita realizada pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS), em parceria com a Federação Internacional das Trabalhadoras Domésticas (FITH) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), revelou um dado alarmante.
Sendo o estudo, 64,5% das trabalhadoras domésticas no Brasil recebem menos que um salário mínimo, atualmente fixado em R$ 1.518.
O levantamento, que ouviu 665 profissionais de diversas regiões do país, mostra a dura realidade enfrentada por quase 6 milhões de trabalhadoras, das quais mais de 90% são mulheres — e 66% são negras.
A maioria trabalha sem carteira assinada, sem direitos garantidos e com jornadas exaustivas. A pesquisa também destaca que, para muitas delas, o trabalho doméstico é a única fonte de renda da família.
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Depoimentos revelam o cotidiano de luta
Gilmara Gomes de Sousa, de 41 anos, começou a trabalhar como empregada doméstica aos 16. Mesmo com carteira assinada, ela precisa realizar faxinas extras para complementar a renda:
“Um salário mínimo não dá para tudo: aluguel, feira, remédios… E muitos que contratam também têm dificuldades financeiras.”
A fala de Gilmara reflete uma das principais constatações do estudo: a renda das trabalhadoras não cobre o custo básico de vida. Esse cenário se agrava em lares chefiados por elas, onde não há outra fonte de renda.
Peso da informalidade
Outro dado preocupante é a baixa formalização da categoria: apenas 25% possuem carteira assinada, e somente 36% contribuem com a Previdência Social. Em regiões como Norte e Nordeste, esse índice é ainda mais alarmante — menos de 15% têm registro em carteira.
Essa informalidade impacta diretamente o acesso a direitos como férias remuneradas, aposentadoria, licença-maternidade e auxílio-doença, colocando essas profissionais em situação de vulnerabilidade contínua.
Raça, gênero e desigualdade
Herança de uma estrutura escravocrata
Para Djane Clemente, de 58 anos, o trabalho doméstico não foi uma escolha, mas uma imposição cultural desde a infância:
“Meus pais me deram uma vassoura e um fogão de brinquedo. Já era um direcionamento: mulher nasce para ser trabalhadora doméstica.”
Ao longo de décadas, Djane enfrentou longas jornadas, deslocamentos cansativos e pouca valorização. Hoje, ela milita no Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Pernambuco, denunciando o que chama de “escravidão moderna”:
“Sem hora de almoço, sem descanso, sem direitos garantidos. Não somos valorizadas nem como profissionais, nem como pessoas.”
A fala de Djane ecoa um problema estrutural: o trabalho doméstico ainda é subestimado e racializado, sendo historicamente atribuído a mulheres negras e pobres. Esse recorte interseccional torna a luta por reconhecimento ainda mais difícil.
Iniciativas para mudar o cenário
Programa Mulheres Mil busca valorização profissional
Como resposta aos dados do estudo, o governo federal anunciou ações voltadas à melhoria das condições da categoria. Um dos destaques é o Programa Mulheres Mil: Trabalho Doméstico e de Cuidados, que oferece capacitação para formalização e valorização profissional.
Para 2025, o programa prevê:
- 900 vagas exclusivas para trabalhadoras domésticas.
- 10 mil vagas em cursos na área de cuidados, como enfermagem domiciliar e atendimento a idosos.
A ideia é oferecer qualificação e incentivo à formalização, combatendo a precariedade que atinge milhões de mulheres no país.
“As trabalhadoras domésticas remuneradas são trabalhadoras do cuidado. Elas têm direito a cuidar, a ser cuidadas e ao autocuidado”, afirma Maria Elena Valenzuela, pesquisadora responsável pelo estudo.
Importância do reconhecimento
Trabalho do cuidado precisa ser valorizado
O trabalho doméstico é essencial para o funcionamento de milhões de lares brasileiros. No entanto, ele segue invisibilizado no debate público e nas políticas trabalhistas. A falta de valorização vai além da remuneração: está presente na maneira como essas profissionais são tratadas, vistas e contratadas.
Segundo a OIT, o trabalho de cuidado representa até 16% do PIB global quando considerado de forma ampla. No Brasil, no entanto, ainda é visto como um “favor” ou “ajuda”, e não como uma profissão legítima.
Caminhos possíveis para a mudança
O que precisa mudar?
A transformação dessa realidade exige ações em múltiplas frentes:
1. Formalização obrigatória
Reforçar a aplicação da Lei Complementar 150/2015, que garante os direitos trabalhistas às domésticas.
2. Educação e capacitação
Expandir programas como o Mulheres Mil para todas as regiões do Brasil, com apoio técnico e parcerias com instituições.
3. Campanhas de conscientização
Mudar a percepção cultural sobre o trabalho doméstico, combatendo o preconceito e promovendo o respeito à profissão.
4. Fiscalização e punição
Aumentar a fiscalização sobre empregadores que mantêm profissionais na informalidade ou em condições degradantes.
5. Apoio psicossocial
Criar políticas públicas de saúde mental, segurança e bem-estar para trabalhadoras do cuidado.
Conclusão
A pesquisa revela uma realidade que sempre esteve presente, mas raramente ganha visibilidade: o trabalho doméstico é mal pago, invisível e muitas vezes desumanizado.
No entanto, ele sustenta o cotidiano de milhões de famílias e deve ser reconhecido como tal. Valorizar essas profissionais é uma questão de justiça social, equidade de gênero e dignidade humana.
Imagem: drobotdean / Freepik